XXX
O ódio instintivo contra a realidade: a conseqüência de uma extremada suscetibilidade à dor e irritação tão intensa que meramente ser "tocado" torna-se insuportável, pois cada sensação manifesta-se muito profundamente.
A exclusão instintiva de toda aversão, toda hostilidade, todas as fronteiras e distâncias no sentimento: a conseqüência de uma extremada suscetibilidade à dor e irritação tão grande que sente toda a resistência, toda a compulsão à resistência como uma angústia insuportável ( em outros termos, como nocivo, como proibido pelo instinto de autopreservação), e considera a bem-aventurança (alegria) como algo possível apenas após não ser mais necessário oferecer resistência a nada nem a ninguém, nem mesmo ao mal e ao perigoso amor como única, como a última possibilidade de vida...
Essas são as duas realidades fisiológicas a partir das quais e por causa das quais a doutrina da salvação se desenvolveu. Denomino-as um sublime hedonismo superdesenvolvido assentado sobre um solo completamente insalubre. O que fica mais próximo delas, apesar de misturado com uma grande dose de vitalidade grega e força nervosa, é o epicurismo, a teoria da salvação do paganismo. Epicuro era um típico decadente: fui o primeiro a reconhecê-lo. O medo da dor, mesmo da dor infinitamente pequena o resultado disso não pode ser qualquer coisa exceto uma religião do amor...